2 de nov. de 2009

MAIS QUE TRAVESSURA

É quase uma regra: na maioria das salas de aula há, ao menos, um aluno que não para quieto na carteira, vive correndo e gritando mais que os outros pelos corredores da escola. Ou, então, aquelas crianças que vivem no "mundo da lua" e não conseguem prestar atenção ao que o professor explica. Esses comportamentos podem ser sintomas do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), um distúrbio neurológico e hereditário que altera algumas funções do cérebro, especialmente as relacionadas com a atenção e a impulsividade.
Esses sintomas tornam-se mais evidentes no início da fase escolar e, justamente por isso, deixam pais e professores em dúvida.
Afinal, como apontar se a criança tem um transtorno ou se seu comportamento é comum à sua idade?
Para a psicóloga Vânia de Morais, especialista em TDAH, a palavra final deve ser sempre de um médico neurologista ou psiquiatra especializado. O professor pode e deve contribuir para a identificação de um possível problema, porém precisa ter o cuidado de não tecer qualquer diagnóstico. "A conduta do professor deve ser alertar os pais ou a coordenação da escola que tem algo acontecendo com aquela criança, e não diagnosticar", ressalta a psicóloga.
O ambiente escolar pode ser um aliado, se aproveitado de modo correto. Uma alternativa é comparar, a longo prazo, o comportamento em classe dos alunos de mesma faixa etária e sob influência das mesmas condições e, a partir daí, observar se há algo de incomum nas
ações de alguns deles. "As crianças com TDAH não conseguem ficar quietas, acompanhar o ritmo da turma. Às vezes não entendem qual é a atividade proposta. Outros já ficam inertes, como se não estivessem integrados com o que está sendo falado", explica a professora Silvana Galvão. Durante 13 anos, ela deu aulas na Escola Estadual Pandiá Calógeras, em Belo Horizonte (MG), e lidou com diversas crianças que sofriam do transtorno. A professora afirma ainda que outra forma de detectar o problema é pelo desempenho escolar do aluno. "As notas dessas crianças são, frequentemente, piores que a dos demais alunos. Elas precisam de acompanhamento individual, nós temos que conversar com elas em particular constantemente."
No entanto, desempenho escolar ruim ou comportamento inadequado em classe não devem ser creditados unicamente ao TDAH. Vânia de Morais afirma que esses enganos ocorrem devido à dificuldade de discernir uma criança que é simplesmente "levada" ou que está enfrentando uma fase difícil, de uma hiperativa ou com déficit de atenção. "Uma crise em casa, pais que brigam com frequência, alguma dificuldade na escola, tudo isso contribui para que a criança reaja com um comportamento desatento ou hiperativo", explica. A psicóloga ressalta, ainda, a importância de saber distinguir um quadro consistente, que vem se apresentando ao longo da vida da criança, de uma reação a uma circunstância passageira. A pesquisadora do Ceale, Maria de Fátima Gomes, partilha de opinião semelhante: "Não se pode generalizar. Taxar como TDAH qualquer comportamento diferente das crianças é um erro". E completa: "Mesmo que a criança apresente
uma conduta próxima do que é considerado TDAH, deve-se tomar cuidado em não transformar a diferença em deficiência", alerta.
Assistência
Há, no Brasil, ações voltadas para capacitação de professores com o objetivo de prepará-los para lidarem de maneira adequada com crianças que sofrem de TDAH. É o caso da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA). De acordo com o médico Sérgio Borboun, membro do conselho científico da ABDA, "a função básica da Associação é divulgar o transtorno, capacitar e formar profissionais". Para isso, a instituição realiza congressos para profissionais da educação, psicólogos e médicos.
Para o Ministério da Educação (MEC), o problema do TDAH está circunscrito à educação básica, já que os estudantes que sofrem com o transtorno não necessitam de recursos de acessibilidade. "A política da Secretaria de Educação Especial considera que alunos com TDAH devem ser tratados de forma articulada com a educação básica. Eles não necessitam de um atendimento educacional específico", diz a coordenadora geral da Política Pedagógica da Educação Especial do MEC, Sinara Zardo. Segundo ela, os cursos de formação de professores voltados para a educação básica já contemplam os alunos com o transtorno, graças às suas práticas educacionais inclusivas.

TRATAMENTO
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade não tem cura, mas existe tratamento para diminuir os sintomas. De acordo com a neurologista infantil Thelma Ribeiro, ele se baseia em uso de remédio aliado à terapia psicológica. A terapia utilizada com os pacientes é composta por estratégias que os ajudam a desenvolver habilidades de organização, de manutenção da atenção em diferentes ambientes e de contenção da impulsividade.
A psicóloga Vânia de Morais explica que as pessoas afetadas pela doença possuem “um tipo
de configuração do cérebro distinta” e, por isso, “sempre serão diferentes das demais”. Ela ressalta ainda que crianças que não são adequadamente diagnosticadas ou tratadas podem, posteriormente, desenvolver quadros psiquiátricos graves, como baixa auto-estima, agressividade descontrolada, ansiedade e até depressão. “O uso do medicamento e estratégias terapêuticas é essencial na vida desses pacientes e deve ser feito de forma contínua, sempre com acompanhamento médico.”

FONTE: LETRA A: Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita - Faculdade de Educação/UFMG
www.ceale.fae.ufmg.br/nomade/midia/docs/237/phprD15Kr.pdf