8 de ago. de 2015

Os significados da vida


Os significados da vida


Que nossas perguntas nos levem cada vez mais longe na compreensão e na construção de sentidos para a vida de uma pessoa (Foto: Divulgação)
Qual é a verdade sobre um acontecimento que marcou a vida de uma pessoa? Sem entrar na discussão sobre a mentira, e partindo do pressuposto de que essa pessoa acredita naquilo que diz, gostaria de propor uma reflexão sobre os significados impressos nas histórias geralmente narradas.

Somos seres que, a fim de dar sentido às nossas experiências, geramos significados. As narrativas são construções que fazemos de nossas experiências. O vivido se torna uma realidade psíquica a partir do momento em que damos a ele um significado expresso por meio de palavras.

A maneira pela qual significamos as situações da vida resulta das circunstâncias que atravessamos desde a infância, da estrutura familiar e de como enfrentamos os desafios que a vida nos apresentou.

Somos, no final das contas, a resultante de tudo o que vivemos, mas não apenas dos fatos concretos, e sim de como os percebemos. A cada dia, novos significados se somam às redes já tecidas e, dessa forma, nos transformamos a cada nova experiência.

Trajetória evolutiva
É possível organizar a própria história com significados que levam a pessoa numa trajetória evolutiva, dando sentido e valor à vida de maneira construtiva. Por outro lado, é possível fazê-lo de maneira restritiva, criando significados para as experiências que limitam ou até impedem uma trajetória de vida satisfatória.

Os significados podem nos ser fornecidos por outrem, como o são pelos nossos pais ou cuidadores, em frases que podem nos acompanhar por toda a vida: “Você vale o que você sabe”. Ou  pela cultura: “Você vale o que você tem”. Ou ainda pelas nossas experiências, que são poderosos geradores de sentidos.

Ser humilhado, por exemplo, como assistimos frequentemente nas histórias de bullling que ocorrem nas escolas e mesmo no seio familiar, pode levar a um registro psíquico de “desvalor” de si mesmo e isso só será revertido com muito trabalho.

É interessante observar que às vezes as pessoas falam sobre “se conhecer” ou “se descobrir”, como se fôssemos prontos e acabados, como se houvesse algo em nós que é definitivo e essencial.

Eu me pergunto onde está essa coisa e se ela existe! O que vejo no desdobrar dos dias de conversas com as pessoas sobre suas vidas, concretas ou sonhadas, é o esforço de cada um para dar sentido à vida e às vivências de maneira a construir uma história coerente, compreensível e possível de ser levada na bagagem para o futuro.

História mal contada

Na maioria das vezes, o sofrimento está no peso que tem uma história mal contada a si mesmo. Se conhecer ou se descobrir, nesse sentido, poderia ser traduzido como ter a oportunidade de recontar a própria história e reconstruir seus sentidos de forma que caibam no peito e não fiquem derramando excessos ou espetando a alma com suas arestas.

Daí o valor do diálogo na vida das pessoas. O diálogo é o espaço da produção do sentido e é por meio dele que podemos costurar os retalhos de vida numa nova configuração.

O diálogo é uma poderosa experiência de se compartilhar esforços na tentativa de  formular uma atribuição de significado. Conversar consigo mesmo é uma modalidade importante, assim como as conversas com pessoas significativas.

Já o diálogo terapêutico tem a vantagem de buscar as peças para atribuir os significados nas experiências da própria pessoa, tornando a construção mais própria do indivíduo, sem muitas interferências das experiências de outros. Cabe ao terapeuta ser um facilitador neste trabalho de construção.

Conhecimento e verdade

A psicoterapia é um espaço de construção, desconstrução e reconstrução dialógica dos significados de forma a se formular narrativas que sejam libertadoras das amarras e do sofrimento do paciente.

Mas, então, não podemos conhecer a verdade sobre nós mesmos? O que, afinal de contas, diferencia conhecimento e verdade? A verdade está dada e a respeito dela não há que se fazerem perguntas, seja por estar demonstrada ou por prescindir da demonstração como é o caso da fé. Já o conhecimento nos exige perguntas e a cada resposta abre-se um novo leque de novos questionamentos.

As “verdades” de nossas vidas estão nas versões que somos capazes de lembrar ou extrair da percepção ou do entendimento que temos ou tivemos dos fatos ocorridos. E é exatamente essa a matéria-prima com a qual esculpimos a nossa história.

Muitas vezes não tivemos condições, por vários motivos, de compreender as situações da vida com clareza e trazemos dessas experiências entendimentos distorcidos que nos causam sofrimento. Se nossas perguntas gerarem reflexões suficientes para a construção de novas respostas, então atingimos nossa maior aspiração. Ou seja, que nossas perguntas nos levem cada vez mais longe na compreensão e na construção de sentidos para a vida de uma pessoa, assim como das coletividades, das culturas e da própria humanidade, que tantas perguntas sem respostas no impõe. Afinal, nossas histórias são sempre inacabadas.
Artigo publicado na coluna de Vania de Morais no site : www.domtotal.com

Vânia de Morais Psicóloga, mestre em Ciências da Saúde, doutora em Linguística, pesquisadora em cognição e linguagem. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e especialização em Terapias cognitivas na UFMG.