4 de dez. de 2016

Estresse Pós-Traumático



Em torno de 25% das pessoas que vivenciam uma experiência traumática apresenta sintomas crônicos


Em torno de 25% das pessoas que vivenciam uma experiência traumática apresenta sintomas crônicos
Por Vânia de Morais
É interessante observar como cada pessoa registra suas experiências e as valoriza de maneiras muito diferentes. O que é visto como um acontecimento corriqueiro para uma pessoa, pode assumir significados de grande valor emocional para outra. O que interessa quando buscamos compreender o sofrimento de alguém não são os fatos em si, mas a maneira como essa pessoa entendeu e vivenciou as situações que ficaram marcadas e se tornaram fonte de sofrimento.

Muitas pessoas sofrem com lembranças altamente perturbadoras que são ativadas por estímulos presentes no dia a dia, o que pode tornar a vida muito difícil. Situações, sensações, lugares, cores, cheiros que estejam associados a uma vivência traumática podem provocar a emergência de memórias ou sensações físicas e emocionais presentes no momento do trauma.

O que acontece é que quando o estresse é muito severo ou prolongado, o organismo pode não ser capaz de restaurar o equilíbrio nos moldes anteriores, persistindo, em vez disso, na manutenção de respostas associadas à vivência traumática. Esse padrão é caracterizado pela ativação permanente de estruturas cerebrais que facilitam a associação com os estímulos sensoriais que estavam presentes no momento do trauma.

Em torno de 25% das pessoas que vivenciam uma experiência traumática apresenta sintomas crônicos. Quando os sintomas de reação aguda ao estresse duram por mais de um mês, o quadro é diagnosticado como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O diagnóstico é feito com base na permanência, por mais de quatro semanas após um evento traumático, de sofrimento emocional intenso, que inclui:

• Vivência repetitiva e intrusiva (que invade a consciência) da situação traumática por meio de imagens, percepções ou pensamentos indesejados. Isso ocorre enquanto a pessoa está acordada ou durante o sono, na forma de pesadelos. Em geral, esses flashbacks são acompanhados de sentimentos e sensações físicas extremamente aversivas, que incluem sentimentos de medo, raiva, culpa, vergonha, impotência e desesperança. Muitas vezes a pessoa sente e age como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente. Sensações e situações que lembram ou simbolizam a vivência traumática podem provocar sofrimento psíquico e alterações fisiológicas como taquicardia, sudorese e alterações do ritmo respiratório.

• Incapacidade de enfrentar a ansiedade relacionada a lugares, pessoas, atividades e sensações que estejam associados ao trauma, o que leva a pessoa a evitá-los sistematicamente. Até mesmo pensar ou falar sobre o assunto pode causar desconforto, fazendo com que o indivíduo se esforce para evitá-los. Algumas cenas podem ser apagadas da memória. É comum haver uma redução no interesse pelas outras pessoas ou atividades, sentimentos de distanciamento e diminuição na intensidade dos afetos numa espécie de “anestesia” emocional. Esse estado de entorpecimento pode afetar seriamente os relacionamentos, a capacidade de desfrutar a vida e de fazer planos para o futuro.     

• Também estão presentes sintomas de excitabilidade fisiológica elevada, que podem incluir irritabilidade, dificuldades em se concentrar, atenção focada na busca de sinais de perigo no ambiente (hipervilância) e resposta de sobressalto exagerada. Esse estado de alerta constante pode levar a pessoa a um estado de exaustão, com prejuízos à saúde.   

O TEPT pode resultar de uma única experiência ou de uma sequência de episódios ocorridos com um mesmo estressor traumático, como é o caso do abuso sexual na infância, violência doméstica ou guerras. As formas de violência pessoal e intencional como estupro, tortura ou agressão física provocam estresse muito superior ao dos acidentes e desastres naturais. Em torno de 9% das pessoas que passam por acidentes apresentam TEPT, enquanto o mesmo quadro é desenvolvido por 46% das mulheres que sofreram estupro. Pessoas com história de abusos na infância são mais suscetíveis à retraumatização.

Quando não diagnosticados e tratados, indivíduos portadores de TEPT podem desenvolver quadros crônicos e incapacitantes com sintomas graves que comprometem ou impossibilitam a vida conjugal, social e profissional. Há casos nos quais a pessoa não apresenta sintomas durante algum tempo, mas tem uma recidiva ao entrar em contato com uma situação que tenha semelhança com o evento traumático. Indivíduos que não apresentaram sintomas de TEPT após o evento podem apresentá-los tardiamente, geralmente após a exposição a alguma situação que se assemelhe à original.

O tratamento para TEPT, em geral, combina psicoterapia e medicamentos. A psicoterapia, nesse caso, deve considerar a dificuldade do paciente para falar de seus medos, pois isso implica em reviver a situação e evocar os sintomas associados. É fundamental que se desenvolva uma relação de confiança e uma atmosfera de tranquilidade para que ele possa trazer os conteúdos de seus medos na medida em que se sinta seguro.

As experiências traumáticas podem estar na origem de outras síndromes psiquiátricas como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico, fobias, dependência química e transtornos de conduta. A prioridade da investigação e intervenção terapêutica nem sempre é o trauma. Muitas vezes há outras questões que demandam atenção e devem ser tratadas antes que a pessoa esteja em condição de abordar o tema do trauma.

Além disso, as memórias traumáticas esquecidas nem sempre podem ser recuperadas, o que não inviabiliza o tratamento. O objetivo da terapia é restabelecer os sentimentos de segurança e confiança, aprimorando as habilidades do indivíduo para o enfrentamento de situações de perigo e sua capacidade para avaliá-las. Isso reduz a tendência que é induzida pelo trauma a supervalorizar os perigos. Um bom processo terapêutico deve também promover a integração da experiência vivida e a construção de crenças que ajudem o paciente a prosseguir seu caminho rumo a novas conquistas.  
Vânia de Morais
Psicóloga, doutora em Linguística (PUC Minas, bolsista pela Fapemig), mestre em Ciências da Saúde (UFMG), pesquisadora em cognição e linguagem. Concentra seus estudos nas questões relativas à linguagem em psicoterapia. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e de Especialização em Terapias cognitivas.