18 de out. de 2011

Violência começa em casa


Violência começa em casa

O noticiário nos informa diariamente sobre atos de violência protagonizados por crianças e adolescentes. A palavra violência refere-se a qualquer comportamento humano que extrapole normas de conduta e cause danos físicos e/ou emocionais. Pode consistir em ações ou omissões, intencionais ou involuntárias, e classifica-se em negligência e abuso físico, sexual e emocional.

Sem desconsiderar fatores políticos e socioeconômicos envolvidos na questão, vamos focalizar o tema no contexto familiar, já que a violência que ocorre em casa está na base de todas as outras. Seu alvo mais vulnerável é a criança e o adolescente, em cujas personalidades ainda em formação tal experiência será integrada como fator determinante de traços, crenças e predisposições futuras.

Balanço divulgado pela Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, que recebe denúncias de violência contra crianças e adolescentes pelo serviço “disque 100”, revela que desde 2003 foram registradas 167 mil ocorrências em todo o país. Pesquisa realizada em agosto de 2011 pela Universidade Federal de São Carlos mostra que 70% das crianças envolvidas com bullyng – como agentes ou vítimas – sofrem castigos corporais no lar.

Um artigo publicado no New York Times em 22 de setembro de 2011 expõe o resultado de uma pesquisa sobre bullyng, mostrando que adolescentes envolvidos não se reconhecem como agressores nem vítimas. Em vez disso, classificam como “drama” qualquer manifestação nesse sentido, desqualificando o sofrimento envolvido de forma a permitir a continuidade daquilo que consideram inócuo ou engraçado.

A ponta do iceberg
As pesquisas demonstram apenas a ponta do iceberg. Vítimas de violência doméstica, assim como seus parentes e vizinhos, geralmente guardam segredo e o problema só vem à tona quando resulta em atendimento médico. Mesmo assim, lesões corporais que compreendem desde contusões, fraturas e queimaduras até rupturas de órgãos são frequentemente interpretadas nos serviços de saúde como acidentes.

A violência física e sexual vem sendo alvo de campanhas de conscientização ainda de forma tímida, se levar em conta a gravidade do problema. Entretanto, pouco se fala sobre abuso psicológico ou emocional, que tem o agravante de não deixar marcas visíveis. Esse tipo de violência ocorre sob a forma de ameaça, isolamento, indiferença, corrupção, exigências abusivas de desempenho, humilhação, desqualificação e rejeição.

A negligência é caracterizada pela omissão de cuidados e de atendimento às necessidades básicas da criança e do adolescente no que diz respeito à saúde, segurança, alimentação, educação, afeto e respeito.

Estudos neurocientíficos demonstram que toda forma de abuso, bem como o estresse que dela resulta, afeta seriamente o desenvolvimento anatômico e funcional do cérebro de crianças e adolescentes.

De pai para filho
Métodos educativos são transmitidos de geração a geração por meio de crenças nem sempre conscientes que compelem os pais ao uso dos métodos que lhes foram aplicados na infância. Pesquisas sobre a punição física constatam que a grande maioria dos adolescentes que apanham concorda que as crianças que fazem algo errado devem ser castigadas.

Crianças maltratadas tendem a se tornar adultos agressores ou propensos à vitimização. A experiência de maus-tratos mina a autoestima, a autonomia e a capacidade de se ver diante de outra pessoa em condição de igualdade. Estudos realizados em penitenciárias mostram que quase 100% dos criminosos sofreram algum tipo de violência na infância.

Como disse Madre Teresa de Calcutá, “no próprio lar começa a destruição da paz no mundo”. A tradição cultural que estimula os pais a castigarem física e emocionalmente os filhos propaga a cultura do poder à custa do abuso do mais fraco pelo mais forte e contribui para a banalização da violência.

Contudo, o papel da infância vem mudando gradualmente ao longo da história. De um lugar social nulo no Brasil colonial, vem se tornando cada vez mais socialmente relevante. Crianças e adolescentes são hoje reconhecidos como sujeitos de direito.

Podemos observar no discurso dos pais a representação de diversos momentos dessa transição para a cidadania em relação à punição corporal. Há aqueles que defendem que os pais têm plenos poderes para castigar os filhos. Há aqueles que buscam alternativas construtivas de educação. E existem outros que estabelecem limites para os castigos, como bater sem machucar ou humilhar. Depois do castigo, alguns se arrependem, reconhecendo o abuso.

Educação pelo exemplo
Devemos contribuir, por meio da informação, para que a transição cultural se dê mais rapidamente e com menos sofrimento. Medidas preventivas aos maus-tratos infantis devem alcançar setores responsáveis nas áreas jurídica, educacional, de assistência social e saúde pública.

É importante treinar os profissionais de saúde e educação para a detecção de sinais de violência, bem como desenvolver programas de conscientização de pais e familiares sobre as suas consequências. Graças à consciência e ao domínio da linguagem é possível encontrar formas inteligentes de alcançar os objetivos e devemos ensinar esses meios aos nossos filhos.

Podemos ensiná-los a reclamar quando insatisfeitos, a reivindicar sem desrespeitar os direitos alheios, a identificar e expressar sentimentos, a resolver problemas e reconhecer seus erros, a se desculpar, a tolerar a frustração, a conter impulsos, a se solidarizar, a respeitar limites e seguir regras, a construir relacionamentos saudáveis.

Na tarefa de educar, são recursos necessários aos pais a coerência na palavra e na ação, a adoção de valores sólidos, de responsabilidade, consistência, capacidade de cuidar, de amar, dialogar, ter tempo para educar, vontade de aprender e de ser uma pessoa sempre melhor a fim de dar o exemplo e se tornar um bom modelo para o desenvolvimento dos filhos. 

Vânia de Morais Psicóloga, mestre em Ciências da Saúde, doutoranda em Linguística, pesquisadora em cognição e linguagem. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e especialização em Terapias cognitivas na UFMG. 


Publicado no site Dom Total: 
http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=2255

12 de out. de 2011

Educar e punir são coisas diferentes


Educar e punir são coisas diferentes

A cena se repete em famílias de todas as classes e de diferentes níveis educacionais. Diante do comportamento de oposição do filho, os pais recorrem à punição física como “método educativo”. Imediatamente, a criança cessa o comportamento indesejado por temor aos adultos, que demonstram ter mais força física que ela e não por uma aprendizagem quanto aos significados (pessoais, sócias, afetivos) embutidos em tal comportamento. Será que podemos chamar a isso de educação?

Os defensores da palmada argumentam que, quando a criança desafia a autoridade dos pais e testa os limites, a demonstração de força se faz necessária para que entenda que é mais fraca e, assim, se submeta. Especialmente se ela não obedece a uma ordem que foi repetida.

Os castigos corporais vão da palmada ao espancamento, passando pelos abusos psicológicos infelizmente comuns nas relações familiares, como ameaças de abandono, castigo, rejeição, humilhação, indiferença e exigência exagerada de rendimento intelectual, esportivo ou outros tão comuns na sociedade atual. Muitas vezes a criança responde à agressão dizendo que “não doeu” ou se recusando a admitir o sofrimento, o que costuma aumentar a ira dos pais e a severidade da punição.

A demonstração de força dos adultos é obviamente desnecessária. É claro que a criança percebe quem é o mais forte, pelo menos fisicamente. Além disso, mesmo a palmada, considerada inofensiva por muitos pais, é uma agressão à integridade física e psíquica do filho, pois nesse embate ele estará sempre em desvantagem.

Construção interior

A criança é uma pessoa em formação, estando em franco processo de construção de um mundo interno composto de normas, regras, valores, gostos e desgostos. Suas experiências são o meio pelo qual aprende e apreende o mundo ao seu redor. As experiências são matéria-prima de realização do ser humano que vai se construindo.

Ela não está testando os pais quando os desafia. Está testando a si mesma e experimentando os próprios limites, aprendendo sobre si e sobre os outros. Está construindo regras que estarão na base de seus relacionamentos futuros. Cabe aos adultos responsáveis pela educação da criança dar-lhe os parâmetros que demarcam os limites entre ela e os outros, o que é permitido, o que é indevido, o que é proibido. Isso, sim, é educar.

Gritar, ameaçar e bater na criança não a educa e sim comunica ou ensina que a força física é o instrumento para se impor a realização de um desejo. Bater é uma forma de coação, não de educação. Coagir é usar a força para conseguir o que se quer. Se bater educasse, a palmatória ainda seria usada na escola e os pais concordariam que os professores castigassem seus filhos ou que vizinhos e amigos os corrigissem com “uns tapas”, toda vez que se comportassem de forma inadequada fora de casa.

Esse comportamento ambíguo não causa estranhamento, porque o filho ainda é visto pela sociedade como propriedade dos pais. Se alguém comete o desatino de bater no filho de outro, certamente será processado e punido pela lei. Afinal, bater numa criança é crime. Mas os pais continuam batendo nos filhos! Reconhecem que esse é um ato de covardia, se ocorre fora de casa, mas não o consideram como tal quando se dá entre as paredes do lar.

Violência gera violência

Será que um pai ou mãe acredita mesmo que está fazendo bem ao filho quando lhe castiga com palmadas e humilhações? Ou simplesmente não conhece outros recursos educativos? A maioria dos adultos está estressada e impaciente demais para cumprir com a função inevitável da paternidade/maternidade. As pessoas querem obediência e usam a força física como recurso para obtê-la. E o pior é que a criança aprende esse artifício e passa fazer uso dele.

As escolas estão infestadas de comportamentos violentos. Vivemos numa sociedade na qual as pessoas sofrem crescentemente com as psicopatologias do medo: transtornos de ansiedade, transtornos obsessivos, transtorno do pânico e fobias, entre outras.

Frequentemente as crianças que não usam de comportamentos agressivos, provavelmente porque não aprenderam isso em casa, apanham na escola e não sabem se defender. Os pais que têm essa consciência se vêm diante de um grande desafio: ensinar ao filho maneiras de se proteger da violência que o rodeia sem incentivá-lo a adotar comportamentos agressivos.

Os maus tratos às crianças, prática comum ao longo de séculos, vem sendo alvo de atenção dos profissionais de saúde e educação nas últimas décadas. Os educadores, profissionais de saúde e demais responsáveis pela difusão da informação e da formação de indivíduos na nossa cultura têm papel fundamental na proteção da criança e na formação de uma nova mentalidade relativa à educação e à punição no seio da família.

Só a lei não basta

Pesquisas científicas mostram que pais que acreditam na punição física como método educativo batem nos filhos com muita frequência, especialmente quando estão sob estresse. Também tem sido demonstrado que abusos físicos e emocionais cometidos com atitudes punitivas estão associados a problemas de conduta e de saúde mental da criança, como ansiedade, depressão, isolamento social, abuso de drogas e suicídio.

A instituição de uma lei que proíbe o castigo físico – embora este tenha sido um passo fundamental – não tem sido suficiente. Faz-se necessário, portanto, conscientizar os profissionais de saúde e educação para que cumpram sua obrigação legal de notificar os maus-tratos a crianças e adolescentes.

Mais importante ainda, é preciso levar informações às famílias sobre estratégias educativas apropriadas, baseadas em princípios éticos, no respeito, na colaboração e, principalmente, no amor. Assim estaremos contribuindo para uma sociedade mais saudável, formada por pessoas menos violentas, que não sofram de tantos medos e possam viver e conviver em paz.

Vânia de Morais Psicóloga, mestre em Ciências da Saúde, doutoranda em Linguística, pesquisadora em cognição e linguagem. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e especialização em Terapias cognitivas na UFMG. 

Publicado no site DOM TOTAL: 
http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=2221