1 de dez. de 2011

A mensagem de Steve Jobs


Quando assisti numa rede social ao emocionante discurso de Steve Jobs para os formandos de Stanford em 2005, me pus a pensar no que faz alguém se sentir de fato uma pessoa realizada. Chamaram-me atenção, particularmente, suas falas sobre “seguir o coração” ou “a voz interior”. 


Coisa mais misteriosa essa! Sempre segui o meu coração, mas sou cautelosa ao recomendar aos outros que façam o mesmo. Afinal, muitas vezes fui parar em lugares estranhos e assustadores.

Quase sempre, ao seguir a voz interior, encontrei uma coisa diferente daquela que imaginei, embora na maioria das vezes melhor que a expectativa. Por incrível que pareça, nossa imaginação nem sonha com as coisas que a vida pode nos oferecer.

Sonhamos apenas com aquilo que já conhecemos. E quando ousamos pisar em terrenos desconhecidos, o que está por vir é devir. Imprevisível e incalculável é o mistério da vida.

Os riscos da caminhada
Conheço pessoas que preferem levar a vida pisando em solo firme e conhecido. Geralmente é o que lhes aconselha a voz interior. Talvez essa voz saiba que, ao pisar em falso num terreno pedregoso ou pantanoso, essas pessoas podem desabar.

A maioria precisa de segurança, sendo assombrada por imagens criadas na imaginação. Afinal, o medo é uma força protetora, especialmente quando o mundo de dentro já contém riscos suficientes. 

No entanto, há pessoas que se lançam destemidas no rumo apontado pelo coração. Essas colecionam cicatrizes na alma. Caíram, voaram, perderam o fôlego, tragaram, estiveram diante do abismo, do êxtase, do assombro e sobreviveram. Umas mais inteiras que outras, mas geralmente aprenderam a ter cautela.

A voz interior é alguma coisa em nós que, sem sabermos como, sabe algo de nossa integridade. Não das partes, mas do todo. Esse, que chamamos coração, nos salva de um ataque de nervos através de uma enxaqueca ou de uma lombalgia que nos obriga a ficar de cama, no escuro durante horas ou dias até que o ser se refaça do estresse, mantendo intacto o psiquismo, o outro “coração”, aquele que é ritmado pelos afetos.

O problema com a voz interior é que nem sempre a ouvimos verdadeiramente. Ela é facilmente falseada pela voz do desejo e do medo. Tanto um quanto o outro se dirigem a algo que é imediato e urgente.

Objetivos do coração
O coração, não. Ele “olha” para alguma coisa essencial, nos acena e nos aponta lá na frente um objetivo vital, algo que não vai passar depois da festa, dos prazeres, dos aplausos. E que também não vai passar só porque o medo impediu o próximo passo.

Jobs aponta a curiosidade e a intuição como elementos fundamentais que o guiaram em sua jornada em direção ao essencial, que para ele é o amor. A curiosidade me parece, de fato, uma das manifestações deste que chamamos coração e que talvez seja o que alguns estudiosos do psiquismo como Jung e Guidano chamam de “self” ou “si mesmo”.

Já a intuição pode ser entendida, na maioria das vezes, como um tipo de percepção ainda incipiente, fruto de informações fragmentadas e não articuladas pela consciência, parecendo assim advir de uma fonte desconhecida.

Geralmente, fazendo uma retrospectiva dos fatos relacionados ao evento, podemos identificar de onde vem a informação intuída. Concordo que esse seja outro instrumento fundamental, reunindo a experiência, a observação e a aprendizagem.

O amor, ingrediente essencial da receita, como um tesouro, deve ser descoberto dentro de si mesmo.  O depoimento de Jobs é um testemunho disso. Ao contrário do que a maioria quer acreditar, o amor não é algo dado, não está pronto.

Forma e sentido 
As pessoas constroem a própria identidade em um processo constante de reordenação que se dá através da interação com o mundo. Precisam percorrer na vida a jornada da autoconsciência para que sejam capazes de desvendar e construir o amor, seja por um trabalho, por uma causa ou por alguém. Do contrário, provavelmente sejam outros os sentimentos que habitam o peito, travestidos de amor.

A vida guiada pela voz interior pode parecer incompreensível, pode não ter a linearidade a que nossa razão está habituada. Pode ser uma coleção de fragmentos com mais ou menos cor, cada um com sua razão de existência, mas sem conexão uns com os outros, até que um dia se juntam numa forma que passa a fazer sentido.

É nesse momento que uma pessoa se sente realizada, quando algo que é inefável e intangível se faz real. Quando as peças se juntam como numa grande e misteriosa engrenagem que, de repente, ao encaixarmos uma peça mágica, começa o girar abrindo um portal para outro mundo.

Nessa hora, o mundo de dentro e o mundo de fora se juntam e num regozijo nos sentimos plenos. Isso pode durar horas, dias ou anos - não importa. Quem esteve nesse portal sabe que “os pontos se juntam em algum lugar” e isso faz tudo valer a pena. 

Vânia de Morais Psicóloga, mestre em Ciências da Saúde, doutoranda em Linguística, pesquisadora em cognição e linguagem. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e especialização em Terapias cognitivas na UFMG.