17 de jan. de 2012


Sob o domínio do medo

Vivemos num mundo perigoso. Os perigos nos rondam todos os dias e por todos os lados. No trânsito, na vizinhança, nos relacionamentos. Quando ligamos a TV, imagens e notícias da violência invadem nossa casa e nos deixam assustados.

Portas trancadas, muros altos, alarmes e cercas elétricas, guaritas e câmeras de segurança, olhos bem abertos. Num único descuido, um invasor pode entrar em nossa casa, ferir nossos entes queridos, levar nossos bens ou tirar nossa vida.

Além dos perigos concretos, convivemos com ameaças à nossa vida emocional. Há o risco de sermos demitidos, trapaceados, de não ganharmos dinheiro o suficiente, de não sermos os melhores no exercício da profissão ou suficientemente bons para vencer a concorrência, manter o emprego, o status, o casamento, a família.

Na selva de pedra na qual vivemos, estamos todo o tempo nos protegendo de perigos reais e imaginários. Por isso podemos dizer que o medo adoece psiquicamente a sociedade, gerando ansiedade e insegurança.

Recursos terapêuticos
Como é que podemos ser saudáveis se vivemos numa sociedade enferma? Eis uma boa pergunta, e o que a torna boa é justamente a capacidade de evocar reflexões na tentativa de encontrar uma resposta.

A psicologia oferece recursos terapêuticos eficazes para o manejo da ansiedade. A medicina dispõe de fármacos, que são agentes fundamentais para o alívio do sofrimento. Ambas se tornam potentes aliadas na regulação psíquica e bioquímica necessária à reversão do estado de alerta que é patologicamente disparado em alguns de nós.

A questão a ser respondida diz respeito ao ponto de equilíbrio entre os perigos reais e os imaginários. O fato de vivermos num mundo que realmente comporta muitos riscos pode nos levar a tentar prever as futuras ameaças às quais estaremos expostos, a fim de nos protegermos.

A capacidade de planejamento e ação eficaz relacionada à antecipação do tempo é uma conquista evolutiva do cérebro humano. Ela foi extremamente importante na evolução da espécie, tornando-se uma das características que nos diferenciam dos outros animais.

No entanto, essa mesma capacidade pode se reverter numa patologia. Isso ocorre quando as previsões criam, de maneira crônica, um estado de alerta que nos mantém em constante vigilância, temendo e criando estratégias e comportamentos que visam evitar perigos imaginários. Quando isso ocorre, os custos físicos e emocionais são altíssimos (como abordados no artigo “A cultura da ansiedade”).  

Riscos imaginados
A solução saudável para o problema é nos protegermos, sim, dos perigos reais, mas sem nos deixar dominar pelo medo daqueles que são mero fruto da nossa imaginação. Para fazer isso, o primeiro desafio é sabermos diferenciar o real do imaginário. Na maioria das vezes, essa tarefa exige a ajuda de um psicoterapeuta.

Os ansiosos tendem a acreditar que seus pensamentos refletem a realidade e essa convicção é o que faz disparar as reações de ansiedade, que são reais, incômodas e frequentemente assustadoras para quem as experimenta. Contudo, tais reações são consequência do pensamento que prevê perigos, são a preparação do organismo para o enfrentamento dos riscos imaginados.

Depois de identificarmos as ameaças reais às quais uma pessoa está exposta, é preciso desenvolver as habilidades necessárias para enfrentá-las. Afinal, a capacidade de se proteger e de lidar com tais situações é um dos fatores geradores do sentimento de segurança. 

O mercado é competitivo? É importante desenvolvermos nossas melhores habilidades; O tempo é curto? Temos que aprender a nos organizar no tempo e no espaço; Os relacionamentos são instáveis? Temos que ter autonomia; Estamos sujeitos a imprevistos? É importante aprendermos a resolver problemas; As coisas mudam? Sejamos flexíveis; Não podemos resolver tudo? Então é inevitável contarmos com alguém; Podemos ser roubados? Há providências que podem prevenir esse risco.

Não somos máquinas
Quanto às ameaças imaginárias, elas são medos que estão ancorados nas experiências vitais e nas crenças, elementos constitutivos da personalidade. A ansiedade proveniente desses medos é tão intensa quanto aquela relacionada às situações reais. Na maioria dos casos torna-se necessária a ajuda profissional, para acessar e revisar esses registros de memória e nos libertarmos do medo.

O desafio de vivermos no nosso tempo é real e muito nos exige. O medo de não ser capaz de cumprir as muitas exigências profissionais, acadêmicas, culturais, sociais, pessoais leva muita gente – inclusive crianças e jovens – a desenvolver severos quadros de ansiedade.

É fundamental, para a saúde física e psíquica do indivíduo, que ele avalie as exigências do mundo externo. Em seguida, é necessário definir quais delas ele deseja ou precisa realmente atender, e quais são aquelas que não lhe dizem respeito.

Ao priorizar o que é importante e ao deixar de lado aquilo que não tem valor pessoal, eliminamos boa parte daquilo que constitui a fonte de temores. A combinação de nossas preferências, habilidades, limitações, possibilidades e valores é o que nos torna únicos. Ainda que nos causem sofrimento, os sentimentos nos fazem lembrar que somos humanos e não máquinas.

Vânia de Morais Psicóloga, mestre em Ciências da Saúde, doutoranda em Linguística, pesquisadora em cognição e linguagem. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e especialização em Terapias cognitivas na UFMG.