15 de nov. de 2020

O medo e a imaginação: a vida pode ser melhor no mundo real.




Vivemos em um mundo cheio de perigos. Estão por todos os lados, no trânsito, na vizinhança, nos relacionamentos. Quando ligamos a TV, imagens e notícias da violência invadem nossa casa e nos deixam temerosos. Nos preocupamos com a nossa segurança, da nossa casa e com a das das pessoas que amamos. 

Além dos perigos concretos, convivemos com ameaças à nossa vida emocional. Há o risco de sermos demitidos, trapaceados, de não ganharmos dinheiro o suficiente, de não sermos os melhores no exercício da profissão ou suficientemente bons para vencer a concorrência, manter o emprego, o status, o casamento, a família.

Na selva de pedra na qual vivemos, estamos todo o tempo nos protegendo de perigos reais e imaginários. Por isso podemos dizer que o medo adoece psiquicamente a sociedade, gerando ansiedade e insegurança.

Recursos terapêuticos

Como podemos ser saudáveis se vivemos numa sociedade enferma? É fundamental para a nossa saúde que busquemos uma resposta para esta pergunta, pois o medo e os transtornos de ansiedade dele provenientes são a maior causa de adoecimento psíquico no nosso tempo. 

A psicologia oferece recursos terapêuticos eficazes para o manejo da ansiedade. A medicina dispõe de fármacos, que são agentes fundamentais para o alívio do sofrimento. Ambas se tornam potentes aliadas na regulação psíquica e bioquímica necessária à reversão do estado de alerta que é patologicamente disparado em muitos de nós.

Mas o desafio que temos pela frente ao lidar com esta questão está relacionado às sutilezas implicadas na relação entre os perigos que são reais e aqueles que são fruto da imaginação. O fato de vivermos num mundo que realmente comporta muitos riscos pode nos levar a tentar prever, ou seja imaginar, as futuras ameaças às quais estaremos expostos, a fim de nos protegermos.

A capacidade de planejamento e ação eficaz relacionada à antecipação do tempo é uma conquista evolutiva do cérebro humano. Ela foi extremamente importante na evolução da espécie, tornando-se uma das características que nos diferenciam dos outros animais.

No entanto, essa mesma capacidade pode se reverter numa patologia. Isso ocorre quando as previsões criam, de maneira crônica, um estado de alerta que nos mantêm em constante vigilância, temendo e criando estratégias e comportamentos que visam evitar perigos imaginários. Quando isso ocorre, os custos físicos e emocionais são altíssimos (como abordados no artigo “A cultura da ansiedade”). 


Riscos imaginados

A solução saudável para o problema é nos protegermos, sim, dos perigos reais, mas sem nos deixar dominar pelo medo daqueles que são mero fruto da nossa imaginação. Para fazer isso, o primeiro desafio é sabermos diferenciar o real do imaginário. Na maioria das vezes, essa tarefa exige a ajuda de um psicoterapeuta.

Os ansiosos tendem a acreditar que seus pensamentos refletem a realidade e essa convicção é o que faz disparar as reações de ansiedade, que são reais, incômodas e frequentemente assustadoras para quem as experimenta. Contudo, tais reações são consequência do pensamento que prevê perigos, são a preparação do organismo para o enfrentamento dos riscos imaginados.

Depois de identificarmos as ameaças reais, é preciso desenvolver as habilidades necessárias para enfrentá-las. Afinal, a capacidade de se proteger e de lidar com tais situações é um dos fatores geradores do sentimento de segurança. 

O mercado é competitivo? É importante desenvolvermos nossas melhores habilidades; O tempo é curto? Temos que aprender a nos organizar no tempo e no espaço; Os relacionamentos são instáveis? Temos que ter autonomia; Estamos sujeitos a imprevistos? É importante aprendermos a resolver problemas; As coisas mudam? Sejamos flexíveis; Não podemos resolver tudo? Então é fundamental podermos contar com a ajuda de outra pessoa; Podemos ser roubados? Há providências que podem prevenir esse risco.

Não somos máquinas

Quanto às ameaças imaginárias, elas são medos que estão ancorados nas experiências vitais e nas crenças, elementos constitutivos da personalidade. A ansiedade proveniente desses medos é tão intensa quanto aquela relacionada às situações reais. Na maioria dos casos torna-se necessária a ajuda profissional a fim de acessar e revisar os registros de memória que nos mantêm atados ao medo.

O desafio de viver no nosso tempo é real. O medo de não ser capaz de cumprir as muitas exigências profissionais, acadêmicas, culturais, sociais, pessoais leva muita gente – inclusive crianças e jovens – a desenvolver severos quadros de ansiedade.

É fundamental, para a saúde física e psíquica do indivíduo, que ele avalie as exigências do mundo externo e defina quais delas ele deseja ou precisa realmente atender, e quais são aquelas que não lhe dizem respeito.

Ao priorizar o que é importante, deixando de lado o que não tem valor pessoal, eliminamos boa parte daquilo que constitui a fonte de muitos temores. A combinação de nossas preferências, habilidades, limitações, possibilidades e valores é o que nos torna únicos. Precisamos dedicar tempo e atenção  aos nossos sentimentos, às nossas tendências, pensamentos e motivações. Conhecer-se é uma condição fundamental para fazer escolhas de vida, abrindo mão de atender às exigências que não estão conectadas aos nossos valores, desejos e necessidades fundamentais. Nessa jornada, os sentimentos são nossos guias e nos lembram que somos humanos, não somos máquinas.

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